Portar semente de maconha é crime?

Como o direito penal encara essa situação e Qual o conceito de droga para o direito penal?

O conceito de droga para o direito penal pode ser analisado a partir da integração de 2 dispositivos previstos na lei de Drogas (Lei nº.11.343/06), e de um ato administrativo (Portaria nº 344/98).

A Lei nº 11.343/06, em seu artigo 1º, parágrafo único, assim expõe:

“Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os  produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.”

Ainda, o artigo 66 da lei supracitada complementa:

“Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

E por fim, a portaria nº 344/98 que dispõe sobre o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial, mais precisamente em seu anexo, lista de letra “E”, percebe-se que estão expressamente citadas as plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas, sendo estas: a) CANNABIS SATIVUM; b) CLAVICEPS PASPALI; c) DATURA SUAVEOLANS; d) ERYTROXYLUM COCA; e) LOPHOPHORA WILLIAMSII (CACTO PEYOTE); f) PRESTONIA AMAZONICA (HAEMADICTYON AMAZONICUM)

A primeira planta tratada na portaria acima indicada é a Cannabis Sativum, popularmente conhecida como maconha, tendo como princípio ativo o Tetrahidrocanabinol (THC), que somente pode ser extraído da folha da planta.

E onde eu quero chegar com isso tudo, a semente não produz o princípio ativo da maconha (THC), sendo impossível de realizar a sua extração. E, considerando o exposto, a semente não é capaz de causar dependência, não incidindo na hipótese do artigo 1º, parágrafo único da lei de Drogas, assim como não incide nos termos do artigo 66 do mesmo diploma, pois, não é entorpecente, psicotrópica e não consta na lista da portaria de nº 344, cumprindo aqui concluir que pelos motivos acima apontados a semente da maconha não pode ser considerada como droga para fins penais.

Caso o indivíduo seja encontrado portando sementes de maconha em pequena quantidade, não pode ser atribuída a ele a conduta prevista no artigo 33, da Lei de Drogas -tráfico-, ou do artigo 28, da Lei de Drogas -posse de drogas-, por ser considerada atípica.

Mas, ao ler o texto da lei, você poderia se perguntar se a semente não se enquadraria nas hipóteses de insumo, matéria prima ou o ato de semear e cultivar (art. 33º, §1º, incisos I e II, da Lei de Drogas), e a resposta é não!

Explica-se, matéria prima, nas palavras de Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, nada mais é do que a substância que permite a extração ou produção dos entorpecentes, que por sua vez possuem a capacidade de causar dependência física ou psíquica, o que se aplicaria a folha da maconha, mas não a semente. (GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. lei de drogas anotada. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 99).

Corroborando com esse entendimento o Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu:

“Os incisos I e II do § 1º do referido artigo, listam uma série de condutas que incorrem nas mesmas penas. Infere-se do inciso II que “matéria-prima” é a substância utilizada “para a preparação de drogas”, como é o caso da planta Cannabis Sativum, porque dela se extrai a droga. Da semente, nada se extrai diretamente, nem se misturada com o que quer que seja. Logo, não pode ser considerada “matéria-prima”.No mais, a norma prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a colheita da planta proibida. Embora a semente seja um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação (ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica. Além disso, a semente também não se enquadra na qualificação de “insumo” ou, muito menos, “produto químico”, porque ambos visam à preparação de drogas.”(EREsp 1.624.564-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020)

Em tese, o agente que fosse encontrado transportando ou tendo consigo pequena quantidade de semente poderia, forçosamente, configurar ato preparatório para a prática do delito previsto no artigo 28, da Lei de drogas (consumo), mas do estudo do iter criminis, tem-se que os atos preparatórios, em regra, são impuníveis. Podendo-se também considerar o postulado do princípio da anterioridade e da reserva legal (CP, art. 1º e CF, art. 5º, inciso XXXIX).

A questão acerca do transporte de sementes de maconha também já foi matéria debatida, a título de exemplo, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 144.161/SP, de relatoria do min. Gilmar Mendes, julgado em 11/09/2018, onde foi concedida a ordem de Habeas Corpus, determinando a manutenção da decisão do juiz de piso que rejeitou a denúncia entendendo haver no caso concreto ausência de justa causa para a deflagração da persecução penal.

Onde para ilustrar a situação, o paciente teria transportado 26 sementes de maconha, que destinavam ao seu próprio uso, onde a denuncia foi oferecida sob o pretexto da existência da prática do crime de tráfico de drogas, entretanto, o juízo de piso rejeitou-a sob os seguintes fundamentos:

(i) as sementes não apresentam a substância tetrahidrocannabiol (THC), geradora de dependência e, portanto, não podem ser caracterizadas como “droga”; (ii) tais sementes não podem ser consideradas matérias-primas destinadas à preparação da droga, pois se extrai o produto vedado pela norma pela planta e não pela semente;(iii) a quantidade de droga não se coaduna com o delito de tráfico internacional de drogas; (iv) a conduta descrita poderia se amoldar no tipo penal do artigo 28, §1º, da Lei 11.343/06; (v) as sementes não chegaram sequer a ser semeadas, o que torna indevido o enquadramento no tipo penal previsto no artigo 33, §1º, da referida lei; (vi) não há lesão ao bem jurídico capaz de enquadrar a conduta no artigo 334 do Código Penal; (vii) não há, nos autos, qualquer indício de que o denunciado teria habitualidade na conduta de importar sementes com o objetivo de traficá-las.

Por fim, é de se ter em mente que a análise jurídica deve ser praticada com base no caso concreto, levando em conta as suas peculiaridades.

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