A possibilidade de reconsideração da decisão que determinou o recebimento da denúncia

Hoje iremos tratar acerca da possibilidade de reconsideração da decisão que determinou o recebimento da denúncia, entretanto, antes de adentrarmos nessa discussão, vamos conversar um pouco acerca do que são ritos processuais.

De uma maneira simples, podemos conceituar rito processual como sendo o procedimento descrito pela lei (comum ou especial), dividido em etapas que devem ser observadas pelas partes envolvidas para que tenhamos o processamento do fato criminoso, a fim de que ao final se tenha uma aplicação justa da pena.

Para cada tipo de crime temos um procedimento correspondente, e para saber qual o procedimento que deve ser adotado, basta consultarmos a legislação pertinente.

Ao pegarmos, por exemplo, o Código de Processo Penal, mais precisamente no Capítulo I que trata acerca da Instrução Criminal, temos que o art. 394 aponta como sendo duas as espécies de procedimento existentes, uma de natureza comum e outra de natureza especial.

O parágrafo primeiro do aludido artigo, aponta que o procedimento comum divide-se em: a) Ordinário; b) Sumário; c) Sumaríssimo.

  1. Adota-se o procedimento ordinário quando os crimes tiverem uma sanção máxima igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (CPP, art. 394, § 1º, I)
  2. Adota-se o procedimento sumário quando os crimes tiverem uma sanção máxima inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (CPP, art. 394, § 1º, II)
  3. E, por fim, adota-se o procedimento sumaríssimo quando as infrações penais forem de menor potencial ofensivo (IMPO – sigla comumente utilizada). (CPP, art. 394, § 1º, IIII)

Entretanto, pode-se citar ainda como exemplo de outros procedimentos, o previsto afetos ao Tribunal do Júri (crimes praticados contra a vida tentados ou consumados), que segue o procedimento previsto no artigo 406 a 497 do CPP, conforme dispõe o art. 394, §3º, CPP; como também os previstos na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/060), Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), Lei dos Crimes contra a ordem Tributária (Lei nº 8.137/90), dentre outros.

Feita essa sucinta menção aos procedimentos, fica a seguinte questão: E quando de fato temos o início da Ação Penal?

Para essa pergunta, nos valemos do 396 do Código de Processo Penal, que assim expõe: “os procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”, ou seja, o início da ação penal se dá da decisão que determina o recebimento da peça acusatória. No esquema abaixo, para uma melhor compreensão, seria o 3º momento.

Agora, ainda com base no esquema acima, após procedida a citação do acusado, e, portanto, já iniciada a ação penal, a defesa em sua manifestação (5º momento), deve trazer todas as matérias afetas à defesa do acusado, sejam questões processuais ou materiais, apresentando documentos, justificações, especificações de provas, arrolamento de testemunhas e etc. Devendo especial atenção às hipóteses de absolvição sumária previstas no art. 397, do CPP, assim como nos casos de rejeição da peça acusatória prevista no art. 395, do CPP, que é o que interessa no momento.

As hipóteses de rejeição são:

a) Peça acusatória manifestamente inepta, ou seja, não observa as orientações previstas no art. 41 do CPP, a forma com que dispõe os fatos narrados se dá de maneira truncada, obscura, omissa e sem a devida individualização da conduta do acusado ou qualquer outra circunstância que torne contraditória às alegações trazidas, impedindo assim a defesa do acusado.

b) São Também hipóteses de rejeição da peça acusatória, a falta de pressuposto processual (falhas que impossibilitam a ação penal, como por exemplo, coisa julgada, litispendência, incompetência), e falta de condição para o exercício da ação penal, compreendendo como sendo a possibilidade jurídica do pedido, legitimidade da parte e necessidade ou interesse para agir.

c) Por fim, a última hipótese ensejadora da rejeição da peça acusatória é a manifesta ausência de justa causa para persecução penal, que de forma clara diz respeito ao indício de autoria e prova da materialidade do crime.

No caso concreto, o defensor não pode subestimar a importância das hipóteses supracitadas ao elaborar a defesa do seu cliente, pois, em que pese entendimentos contrários, é possível que mesmo o magistrado já tendo recebido a acusação, realize um juízo de reconsideração do seu recebimento.

Nesse sentido:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. RESPOSTA DO ACUSADO. RECONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE.ILICITUDE DA PROVA. AFASTAMENTO. INVIABILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO.FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL. DECRETO REGULAMENTAR. TIPO LEGISLATIVO QUE NÃO SE INSERE NO CONCEITO DE LEI FEDERAL (ART. 105, III, A, DA CF)

1. O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o Juízo de primeiro grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos do art. 395 do Código de Processo Penal, suscitada pela defesa.

2. As matérias numeradas no art. 395 do Código de Processo Penal dizem respeito a condições da ação e pressupostos processuais, cuja aferição não está sujeita à preclusão (art. 267, § 3º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP).

3. Hipótese concreta em que, após o recebimento da denúncia, o Juízo de primeiro grau, ao analisar a resposta preliminar do acusado, reconheceu a ausência de justa causa para a ação penal, em razão da ilicitude da prova que lhe dera suporte. (…)” (REsp nº 1.318.180/DF, relator o Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 29/05/2013)

Concluindo assim, que o profissional deve atentar-se ao rito processual adotado para o crime em questão, para que constatando quaisquer das hipóteses de rejeição da peça acusatória, trabalhe a sua demonstração e requeira ao juízo que reconsidere o recebimento da denúncia, e, da consequente rejeição, portanto, não há que se falar em início da persecução penal.

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